Governo da Bahia, Salvador e outras 25 prefeituras baianas caem na "malha-fina" do MPF por irregularidades em contas do Fundeb
Após instaurar uma 'caça às bruxas' ainda em 2024 devido à falta de transparência das emendas PIX — transferências especiais feitas por parlamentares sem finalidade definida — o Ministério Público Federal (MPF) agora possui um novo alvo: as contas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Nesse cenário, o governo da Bahia, além de 26 prefeituras baianas — incluindo Salvador —, foram notificados sobre indícios de irregularidades em contas utilizadas por suas gestões para receber as verbas do fundo criado em 2007 para financiar a educação básica pública no Brasil, desde a creche até o ensino médio.
ocumentos obtidos com exclusividade pela BNews Premium apontam que o MPF, em colaboração com o Tribunal de Contas da União (TCU), verificou "omissão" de diversas cidades baianas, além da própria gestão estadual, em cumprir regras que garantem a lisura, transparência e rastreabilidade da movimentação dos recursos do Fundeb.
O Fundeb é custeado, principalmente, por impostos arrecadados nos estados e municípios, com a União complementando essa arrecadação por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Com isso, na prática, cada estado tem o seu próprio Fundeb — arrecadando e, posteriormente, transferindo os recursos para os municípios.
Inclusive, dados consultados pela BNews Premium junto ao Tesouro Transparente, na última sexta-feira (6), mostram que a Bahia é o estado que mais arrecadou verbas do Fundeb na história do programa. A reportagem estratificou as cifras arrecadadas a partir de dados consolidados do programa entre 2008 e 2025 (veja mais abaixo).
A investigação do TCU e MPF apontou indícios de que o governo da Bahia e as 26 prefeituras baianas estariam recebendo verbas do Fundeb através de contas bancárias que não estariam vinculadas diretamente à Secretaria de Educação — o que desobedece ao arcabouço normativo, conforme preconizado pelas cortes de contas e demais órgão de controle.
Os recursos oriundos do Fundeb devem ser depositados em conta bancária específica, aberta especialmente para tal fim, bem como que a movimentação e acesso seja privativa e exclusiva do titular do órgão responsável pela educação, in casu a Secretaria de Educação ou órgão congênere", dizia um trecho das notificações expedidas pelo MPF entre 28 de abril e 22 de maio.
A BNews Premium analisou todas as recomendações emitidas pelo Ministério Público Federal sobre a gestão dos recursos do Fundeb. No geral, foram sete pontos levantados pelo órgão. O MPF exige, desde a abertura de contas específicas para a movimentação de cifras do programa, até a prestação de contas e prazos. Confira as sete recomendações:
- Abertura de conta específica: Municípios e estados devem abrir conta única e específica no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal para movimentação exclusiva dos recursos do Fundeb, conforme exige a legislação.
- Conta para recursos extraordinários: Também deve ser aberta uma conta separada para os valores extraordinários referentes a precatórios, conforme o artigo 47-A da Lei nº 14.113/2020.
- Cadastro regularizado: É necessário verificar e regularizar o CNPJ do órgão responsável pela educação (como secretarias municipais/estaduais) junto à Receita Federal e ao banco custodiante, seguindo norma do FNDE.
- Acesso restrito aos gestores da educação: Apenas o titular da Secretaria de Educação, ou órgão equivalente, pode ter acesso e realizar movimentações nas contas do Fundeb.
- Vedação a transferências indevidas: É proibida a transferência de recursos do Fundeb para contas bancárias que não sejam as específicas e regulamentadas.
- Pagamentos eletrônicos diretos: Os recursos devem ser movimentados apenas por meios eletrônicos, com pagamentos feitos diretamente às contas dos prestadores de serviços, fornecedores e profissionais da educação, devidamente identificados.
- Prestação de contas e prazos: Os entes devem comprovar o cumprimento dessas diretrizes ao MPF, ao FNDE e aos tribunais de contas em até 30 dias úteis, e responder formalmente à recomendação em até 15 dias úteis.
'Malha fina' na região metropolitana
Para além de Salvador e o governo baiano, chama a atenção a presença de diversas prefeituras da Região Metropolitana de Salvador (RMS). Contando com a capital baiana, 10 das 13 cidades metropolitanas estão na lista. São elas: Camaçari, Candeias, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, São Francisco do Conde, Simões Filho e Vera Cruz.
Confira, na íntegra, os municípios baianos notificados pelo MPF e valores recebidos do Fundeb:
Chuva de dinheiro
A Bahia é o estado que mais arrecadou verbas do Fundeb na história do programa, de acordo com registros do Tesouro Transparente consultados pela BNews Premium. Os dados consolidados apontam que, entre 2008 e 2025, foram mais de R$ 32,9 bilhões enviados para a Bahia — que ficou à frente de estados como Minas Gerais (R$ 32,5 bilhões) e São Paulo (R$ 27,1 bilhões).
Apenas em 2024, o governo da Bahia acumulou R$ 3,2 bilhões por meio de recursos do Fundeb. Nesse caso, a gestão estadual foi a segunda mais beneficiada, ficando atrás apenas de Minas Gerais (R$ 3,4 bilhões). O 'top-3', novamente, foi fechado pelo governo de São Paulo, que contabilizou R$ 3 bilhões no período.
Vale destacar que 2024 foi o ano das 'vacas gordas' quando o assunto é Fundeb, já que nunca os estados haviam arrecadado tantos recursos. Para se ter um ideia, apenas no ano passado, os estados somaram R$ 36,66 bilhões com cifras do Fundeb, pouco mais de R$ 4 bilhões acima do que fora arrecadado em 2022 (R$ 32,1 bilhões) e 2023 (R$ 32,4 bilhões) — anos que também haviam registrado arrecadação recorde à época.
Já em 2025, a arrecadação está em ritmo acelerado. Dados do Tesouro Transparente mostram que, até o dia 2 de junho, já foram mais de R$ 16 bilhões arrecadados — com a Bahia, novamente, na ponta da tabela, somando R$ 1,43 bilhão.
Confira a curva de crescimento de arrecadação dos estados através do Fundeb:
Tá, mas e Salvador?
Na estratificação por municípios, a capital baiana também se destaca. Na quinta posição no "ranking geral" de transferência do Fundeb, entre 2008 e 2025, Salvador somou R$ 5,38 bilhões — sendo a segunda cidade nordestina no quesito, perdendo apenas para Fortaleza (CE), que arrecadou R$ 8,98 bilhões.
Já no ano passado, a capital baiana ficou novamente na quinta posição, somando R$ 654,8 milhões — mesma colocação que permanece em 2025. Até a publicação desta reportagem, a capital baiana recebeu R$ 283,8 milhões via Fundeb neste ano.
Confira o ranking das 15 cidades mais beneficiadas entre 2008 e 2025:
Devido a quantidade de gestões municipais notificadas, a BNews Premium optou por questionar apenas a prefeitura de Salvador e o governo da Bahia. Naturalmente, o espaço está aberto para que as demais administrações se manifestem sobre as recomendações do MPF.
À reportagem, a prefeitura de Salvador, Secretaria Municipal da Educação (Smed), respondeu que todos os recursos do Fundeb são devidamente movimentados em conta bancária única e específica de titularidade da Smed. No entanto, a pasta admitiu a existência de pendências em relação ao CNPJ do Fundo Municipal da Educação (FME).
Neste momento, o FME está em articulação com a Receita Federal para que o CNPJ matriz do FME esteja em conformidade com a integralidade das diretrizes do FNDE", afirmou a Smed à BNews Premium.
Já o governo da Bahia, por meio da Secretaria de Educação (SEC), assumiu de maneira velada a existência de irregularidades nas contas do Fundeb, mas destacou que as mesmas foram corrigidas em 2018 — quando o programa já possuía mais de uma década de existência.
A Secretária da Educação da Bahia informa que possui uma conta única para recebimento de recursos do Fundeb desde o ano de 2018", afirmou a SEC à BNews Premium.
Thiago Teixeira - Bn@ws